Fim de ano é tempo de retrospectiva. Mais do que festejar o que aconteceu ao longo de 2022, é uma oportunidade de passar um pente fino e verificar se fomos capazes de dar conta do volume insano de produções que chegaram semanalmente às TVs e às plataformas de streaming. Neste texto, olho para trás com o objetivo de resumir cinco bons documentários que podem ter escapado do radar de quem aprecia o gênero. "Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo" (Netflix). Reunidos pela diretora Juliana Vicente, os músicos Ice Blue, Mano Borwn, KL Jay e Edi Rock rememoram suas histórias pessoais e a trajetória profissional do grupo que mudou a percepção de milhares de jovens sobre as suas condições de vida nas periferias brasileiras. Juliana passou dez anos documentando os Racionais e filmou a turnê de 25 anos do grupo. O documentário tem várias histórias memoráveis, algumas engraçadas, outras bem barra pesada. Mano Brown faz uma ótima reflexão sobre como a repercussão violenta a um disco do grupo, a certa altura, o levou a rever o próprio trabalho. "Elza & Mané: Amor em Linhas Tortas" (Globoplay) - Assim como o muito bom "Doutor Castor", lançado no ano passado, trata-se de um trabalho nascido na área de esporte da Globo. Dirigido por Caroline Zilberman, o programa descreve, em quatro episódios, a relação de amor de dois gênios brasileiros, a cantora Elza Soares e o ponta-direita Garrincha, ambos no auge de suas carreiras, no início dos anos 1960. E os acompanha nas duas décadas seguintes, perturbados pelo moralismo da opinião pública, pela ditadura militar e pelo alcoolismo do jogador. É um trabalho impecável, ainda que muito triste e perturbador, em diversas passagens. "As Últimas Estrelas de Cinema" (HBO) - Com um formato engenhoso, conduzido pelo ator Ethan Hawke, com a ajuda de vários atores famosos, essa série reconstitui a carreira e a vida de Paul Newman e Joanne Woodward, dois astros da era de ouro de Holywood. A série aborda o alcoolismo de Newman e expõe claramente a culpa que sentia pela morte, por overdose, do único filho homem, o também ator Scott Newman. Os depoimentos da primeira mulher, Jackie Witte, são duríssimos, até cruéis, com o ex-marido. Newman e Woodward foram, ainda, importantes ativistas políticos e doaram centenas de milhões de dólares — com a ajuda da venda de molho de salada Newman — para benemerência. Mais que tudo, as seis horas da série celebram um casamento de 50 anos, um amor profundo, ainda que enfrentando chuvas e trovoadas, com cumplicidade total, em casa e nos estúdios —fizeram 16 filmes juntos, alguns sob a direção dele. "O Canto Livre de Nara Leão" (Globoplay) - Em cinco episódios, dirigida por Renato Terra, é uma série comovente e empolgante. Reconstitui a trajetória de uma cantora sempre interessada em ouvir o novo, sem necessariamente abandonar o velho, mas buscando as conexões entre os diferentes. Nara viu a Bossa Nova nascer, depois abraçou o samba e a militância política, estendeu a mão à Jovem Guarda e ao Tropicalismo. Sempre gravou artistas promissores, mas não consagrados. Foi uma mulher moderna, feminista, firme, que rejeitou imposições e ordens vindas de cima, seja do figurinista da televisão, dos executivos das gravadoras de discos ou dos militares que quiseram prendê-la durante a ditadura. Todo este percurso é revisto com a ajuda de uma pesquisa de imagens e áudios primorosos, que evocam um Brasil mais bonito, elegante e criativo. Mas não é nostalgia. A série faz acreditar, por algum efeito mágico, que existe um futuro pela frente. "A Artista da Enganação" (Netflix) - Na onda de séries documentais sobre crimes que tomou as plataformas de streaming, a contribuição da Itália não poderia ser mais expressiva. Em quatro episódios, somos apresentados à história de Wanna Marchi, uma mulher que fez carreira na televisão vendendo cremes de algas para emagrecer. Junto com a filha Stefania Nobile, ela se tornou campeã em um segmento que depende de muito gogó e cara de pau. Gritando desavergonhadamente, as duas decretaram uma "guerra à banha" na TV e fizeram fortuna com as vendas de um produto "dissolve-barriga" ("scioglipancia"). A série ajuda a lembrar que, também no Brasil, a legislação tem se mostrado pouco eficiente para coibir situações como as que ocorreram na Itália. PUBLICIDADE | | |